Imagina que você conhece uma pessoa. Essa pessoa é muito legal. Vocês conversam com frequência e você conhece praticamente tudo sobre ela. Você desabafava quase sempre com esse seu amigo. Um dia, você percebe que essa pessoa começa a mudar, passa a te desconsiderar, te tratar mal e ser babaca com outras pessoas e começa a andar com as companhias erradas. Vai te dando uma tristeza de ver um amigo de longa data seu se tornando uma pessoa completamente detestável. E aí você descobre que, na verdade, aquele que estava sendo babaca era um irmão gêmeo maligno até então desconhecido que substituiu seu amigo e está usando a imagem dele para o mal. Você vai lá, salva seu amigo, reestabelece a relação e se livra do gêmeo maligno.
Tem uma galera que não gosta de tomar café da manhã, né? Minha mãe e a ciência sempre disseram que o café da manhã é a refeição mais importante do dia, já que é a primeira. Faz sentido, começar mal o dia não te dá vontade de fazer mais nada de bom. Tirando um curto período em que morar sozinho desregulou completamente o funcionamento do meu organismo, não consigo me imaginar funcionando antes de um café da manhã. Acho que o meu corpo trabalha muito durante meu sono porque com frequência eu acordo com a fome de um urso antes de hibernar.
E não tem coisa mais gostosa que um pãozinho de manhã pra comer. Eu sou um grande fã de panificações. Quando o humor tá bom e o bolso não tá totalmente vazio, costumo sempre comprar um tipo novo de pão para experimentar e apreciar. Às vezes a decepção de comer um pão ruim entristece a refeição, mas pão é uma coisa tão simples de fazer que eu acredito que seja muito difícil de fazer um pão que seja verdadeiramente ruim; no geral o padeiro só errou a receita ou arrumaram um funcionário novo e inexperiente. Acontece. Comer um pão gostoso com o acompanhamento certo é certamente uma das receitas pra eu começar bem o meu dia. Não garante nada, mas aumenta as chances.
Em algum domingo recente eu acordei pela manhã e reparei que o pão que geralmente tinha em casa, estava diferente. Era um desses pães de forma da Seven Boys, que eu comido algumas vezes e achado horrível. Lembro que uma vez peguei na pressa no mercado e, geralmente, eu comprava Panco, então apenas meti a mão no saco com a embalagem vermelha e só fui reparar no erro em casa. De início parecia um óbvio caso de trade dress, que é uma espécie de mimetismo publicitário que algumas marcas criam embalagens parecidas com a marca de renome na área daquele produto na intenção de acabar ganhando consumidores pela confusão com o produto original.
Por comprarem sempre aqueles produtos, os consumidores tendem a assimilar os padrões da marca pra assimilar e processar informações mais rápido. Foi o que eu fiz. Eu estava com pressa e peguei a embalagem vermelha. E se você for olhar com calma, em menos de um segundo dá pra verificar que a embalagem nem é tão parecida assim, tem vermelho e branco, mas estão em proporções meio diferentes demais. Eu que fui meio lerdo. Enfim, isso não é um texto sobre ciência e muito menos publicidade. O Átila explica isso bem nesse vídeo aqui:
O ponto é que, quando questionei meu pai com “Pai, isso não é o pão da Panco, é outra marca”, ele me respondeu “Ah, eu sabia que tinha o bonequinho, mas não sabia o nome”. E realmente. Tem um bonequinho. E eles são realmente parecidos. Os caras fizeram um trade dress tão safado que copiaram até o mascote? “Nem fudendo”, pensei. E acabou que a história, na verdade, era mais complexa.
Em 1937, dois irmãos, Yonamine Kiyoteru e Yonamine Jinko chegaram ao porto de Santos, em São Paulo. Imigrantes japoneses vindos de Okinawa, os irmãos chegaram ao Brasil numa época que a imigração japonesa ainda rolava e foram se sedimentando aqui no pais em meio às dificuldades de ser imigrante aqui. Em 1954, depois de um período trabalhando na área da panificação, Kiyoteru se junta ao seu irmão e esposa para criar a marca Seven Boys. As famosas bisnaguinhas sempre foram o carro chefe da empresa e o produto de mais destaque da marca, que estampa as prateleiras de padarias até hoje.
Mais ou menos em 1985, porém, os irmãos decidiram dividir os negócios. Jinko ficou com a marca original, Seven Boys, enquanto o Kiyoteru criou a Panco. Não é certo o motivo dessa separação, mas aparentemente houve um acordo amigável para ambos tocarem independentemente suas empresas e sem invadirem os mercados um do outro. A Panco ficaria no Sul e Sudeste e a Seven Boys iria ocupar o resto do país. Como é óbvio pelo início do texto, em algum momento esse acordo passou a não ser mais cumprido. Pelo que li por aí, alguns dizem que era um contrato assinado na época que venceu e outros dizem que foi uma quebra de acordo na safadeza mesmo, mas em 2002 a Seven Boys começou a atuar onde supostamente não devia e rapidamente conquistou espaço nas regiões onde não atuava antes.
Então, se for parar pra analisar, a semelhança entre os bonequinhos não é um mero trade dress. Eles tem, de certa forma a mesma origem. São praticamente irmãos gêmeos. E é normal confundir irmãos gêmeos. Mas… Olha bem pra eles. Enquanto o Panco está ali todo fofinho, abraçando o próprio nome e com o olhinho fechado ressaltando suas bochechinhas, o Seven Boys tá ligado no que tá rolando, com a língua no canto da boca, doido pra comer até o pãozinho do irmão que tá dando mole. Ele é tipo o gêmeo do mal.
Eu adoro histórias de gêmeos do mal. Imagina. Uma pessoa igual a você fazendo todo o tipo de maldade. Você meio que é obrigado a impedir aquilo porque sua vida vai eventualmente virar um inferno. E histórias de gêmeos do mal são a coisa mais comum que existe. Desde Paola Bracho até Saga de Gêmeos, a ficção e a cultura está recheada de histórias de gêmeos que são opostos em praticamente tudo. Nem sempre o gêmeo é mal, exatamente. Às vezes eles só representam coisas completamente distintas, como os deuses gregos Apolo e Ártemis. Às vezes nem são gêmeos mesmo, é só um personagem que é a versão do bem, só que do mal. Tipo o Flash e o Professor Zoom. Todo mundo conhece uma boa história de gêmeo do mal.
Imagina que você conhece uma pessoa. Essa pessoa é muito legal. Vocês conversam com frequência e você conhece praticamente tudo sobre ela. Você desabafava quase sempre com esse seu amigo. Um dia, você percebe que essa pessoa começa a mudar, passa a te desconsiderar, te tratar mal e ser babaca com outras pessoas e começa a andar com as companhias erradas. Vai te dando uma tristeza de ver um amigo de longa data seu se tornando uma pessoa completamente detestável. E aí você descobre que, na verdade, aquele que estava sendo babaca era realmente o seu amigo o tempo inteiro que acabou completamente influenciado pelas más companhias que andou e precisou ser banido do país. Aí você foi lá e fez amizade com o irmão gêmeo dele.
Foi mais ou menos isso que aconteceu essa semana, né?
O Twitter já tava meio que morrendo há uns dois anos desde que o Quico dos Foguetes assumiu a diretoria lá e começou a demitir gente, implantar políticas difusas e permitir cada vez mais malucos lá. Mas essa semana o ministro Alexandre de Moraes agiu e a galera decidiu migrar de maneira descentralizada, mas organizada. Alguns aparentemente foram para o Threads. Outros foram para o Bluesky - meu caso. Outros decidiram que era o fim da experiência com aquele tipo de rede social e só aceitaram o fim da coisa toda. E foi curioso como foi abrupto, mas ridiculamente fácil migrar de tudo. Como retirar um curativo de um machucado. Não quero romantizar a experiência do Twitter - não façam isso! É só curioso como foi extremamente fácil deixar aquela budega para trás por um lugar que é dezenas de vezes melhor, seja em funcionamento, como em convívio. Era muita coisa pedir pra rodar a timeline sem precisar ver um anúncio de casa de apostas ou um tweet nazista?
Abraçar o gêmeo do bem do Twitter foi a saída coletiva pra todo mundo tentar viver em paz um pouquinho.
Texto Depois do Fim do Texto
Esse é o Texto Depois do Fim do Texto, o texto que vem depois do fim do texto. É um espaço pra eu divagar de forma mais desorganizada, diferente do Texto, que é um lugar pra eu divagar de forma mais organizada. Faz mais sentido você só ler. Vai funcionar, acredite.
É, eu sei. No primeiro texto eu disse que não ia ter periodicidade. No segundo, eu defini uma periodicidade. No terceiro, eu quebrei a periodicidade. E agora eu quebrei o dia da semana que falei que sairia. Tá tudo meio errado por aqui. Tá tudo meio errado por aí, também, tenho certeza. Tá um calor do caralho em pleno inverno. A gente vai vendo um jeito. Em algum momento organiza, beleza?
Minha recomendação da semana é Ninjababy. Esse filme é de 2021 e fala sobre uma mulher passando pela crise dos 30 anos que descobre estar grávida de seis meses do nada. Como não quer ser mãe, mas também já passou do tempo permitido para o aborto, ela decide ter a criança e colocá-la para adoção, mas durante o processo a sua vida caótica e desorganizada vai fazendo aflorar uma miríade de problemas paradoxalmente tangenciais e relacionados a sua gravidez, o principal deles é um pequeno bebezinho animado que aparece em sua mente para perturbá-la. É uma mistura de Juno (2007) com A Pior Pessoa do Mundo (2021).
Ultimamente eu estou meio obcecado pelo que a Kristine Thorp faz enquanto atriz. Desde que vi Doente de Mim Mesma (2023) eu tenho ido atrás de outros trabalhos dela - tarefa relativamente complicada porque eu não falo uma palavra de norueguês - e tenho ficado vidrado do que essa mulher faz e na forma como ela atua. Em Ninjababy, ela dá corpo, voz e neuroses a uma mulher completamente contraditória e errática com um carisma magnético que te impede de desgostar da personagem. Parece uma dramédia como qualquer outra, mas cada minuto que passava eu sentia um pouco mais de conexão com a personagem em seus erros e devaneios. Mesmo no momento mais catártico do filme o resultado parece óbvio, mas ele é subvertido de um jeito que você sabe que é lógico praquela personagem que você conheceu duas horas antes. Tem na MUBI, esse filme.
Outras coisas:
Silvio Santos morreu. Acho que alguém deve estar sentindo falta dele, afinal era um homem com seios muito fartos. Eu o agradeço por ter me proporcionado isso aqui.
Não tem raiz mais profunda do neopentecostalismo no Brasil do que um doce de bananinha chamado Doce Jireh. Nós perdemos.
Ouvindo em loop essa aqui. Inclusive, se alguém achar um link vendendo essa blusa que ela tá usando, por favor, comente aí embaixo.
Uma foto da Meia-Noite, proprietária da casa onde estou trabalhando recentemente que gentilmente aceitou me hospedar ao custo de apenas três carinhos por dia
Bom, aproveitem e me sigam lá no Bluesky
É isso, meus queridos, nos vemos na quarta que vem algum dia de alguma semana. Beijos.